sábado, 27 de agosto de 2011

Capítulo 2- LIDANDO COM OS ESPÍRITOS MALÍGNOS

Em 1973 o filme “O Exorcista” causou impacto ao narrar o embate entre um sacerdote católico e o demônio encarnado numa garotinha. Se a fita fosse refeita hoje o ritual executado teria mudanças significativas. A mais importante delas é que o sacerdote poria ênfase nos rogos para que o “Espírito Santo” descesse sobre o corpo e a mente da vitima.
O novo rito prevê a esconjuração de demônio, mas como um recurso secundário, ao contrario do que acontecia na formula anterior datada do século XVII. Essa nova receita é prescrita pelo livro “Ritual de Exorcismo e Outras Súplicas” (Paulus; 96 paginas; 28 reais).
Lançada na Itália em 1998 e agora no Brasil, depois de um processo de tradução que se estendeu por sete anos, à obra estabelece como os sacerdotes católicos devem proceder em caso de possessão demoníaca. Resultado da renovação dos rituais católicos iniciados nos anos 60 com o Concilio Vaticano II, o manual não propõe somente a mudança de uma liturgia que, a própria igreja afirma, quase nunca é realizada. Ele reflete uma nova maneira de falar sobre o “mal” aos fieis, numa resposta católica a religiões rivais.
Marcas da nova filosofia da igreja a respeito do exorcismo são a cautela e o ceticismo em relação aos episódios de possessão.
Segundo o novo manual católico os principais indicativos de que uma pessoa foi possuída pelo tinhoso seriam falar línguas com as quais ela nunca teve contato, manifestar conhecimentos sobre lugares e saberes estranhos e apresentar uma força descomunal para seu porte. Ainda assim, o exorcismo só será considerado como hipótese depois que a pessoa passar pelo exame de psicólogos e outros especialistas. É como se a igreja propusesse uma santa aliança com as ciências medicas.
A desconfiança em relação aos casos de possessão não significa que a igreja tenha relegado a um papel secundário o combate ao demônio e o ritual de exorcismo. Admitir que o mal existe e que deve ser combatido significa também reconhecer o poder maior de Deus. Na bíblia há menção aos embates com espíritos malignos e o primeiro exorcista foi ninguém menos do que Jesus Cristo.
  • Marcos cap. 9:20 - Eles lho trouxeram. Assim que o menino avistou Jesus, o espírito o agitou fortemente. Caiu por terra e revolvia-se espumando. Jesus perguntou ao pai: Há quanto tempo lhe acontece isso? Desde a infância, respondeu-lhe. E o tem lançado muitas vezes ao fogo e a água, para o matar. Se tu, porém, podes alguma coisa, ajuda-nos, compadece-te de nós! Disse-lhe Jesus: Tudo é possível ao que crê. Imediatamente exclamou o pai do menino: Creio! Vem em socorro a minha falta de fé! Vendo Jesus que o povo afluía, intimou o espírito imundo e disse-lhe: Espírito mudo e surdo, eu te ordeno: Sai deste menino e não tornes a entrar nele.
  • Atos dos apóstolos cap. 16: 16-18 - Certo dia, quando íamos à oração, eis que nos veio ao encontro uma moça escrava que tinha o espírito de Pitão, - Pitão designa espírito divinatório - a qual com as suas adivinhações dava muito lucro a seus senhores. Pondo-se a seguir a Paulo e a nos, gritava: Estes homens são servos de Deus Altíssimo, que vos anunciam o caminho da salvação. Repetiu isso por muitos dias. Por fim, Paulo enfadou-se. Voltou-se para ela e disse ao espírito: Ordeno-te em nome de Jesus Cristo que saias dela. E na mesma hora ele saiu.
  • Mateus cap. 12:43- 45 - Quando o espírito impuro sai de um homem, éi-lo errante por lugares áridos à procura de um repouso que não acha. Diz ele, então: Voltarei para a casa donde sai. E, voltando, encontra-a vazia, limpa e enfeitada. Vai, então, buscar sete outros espíritos piores de que ele, e entram nessa casa e se estabelecem ai; e o ultimo estado daquele homem, torna-se pior do primeiro.
  • Lucas cap. 4: 33-36 - Estava na sinagoga um homem que tinha um demônio imundo, e exclamou em alta voz: Deixa-nos! Que temos nós contigo, Jesus de Nazaré? Vieste para nos perder? Sei quem és: o Santo de Deus! Mas Jesus replicou severamente: Cala-te e sai deste homem. O demônio lançou-o por terra no meio de todos e saiu dele, sem lhe fazer mal algum.
  • Atos dos apóstolos cap.19:15-16 - Mas o espírito maligno replicou-lhes: Conheço Jesus e sei quem é Paulo. Mas vós, quem sois? Nisto o homem possuído do espírito maligno, saltando sobre eles, apoderou-se de dois deles e subjugou-os de tal maneira, que tiveram que fugir daquela casa feridos e com as roupas estraçalhadas... }

Em sua nova doutrina sobre o assunto a igreja afirma que o demônio não é somente uma abstração filosófica, mas uma entidade que existe de fato e está em constante luta contra os desígnios divinos - ainda que só se manifeste como possessão em casos raríssimos. Interessa-lhe, contudo, contrapor-se ao que considera uma tendência de “satanização do cotidiano”.
Outra faceta da “satanização do cotidiano” contra a qual a igreja católica tenta se opor é a crença de que qualquer vicissitude pessoal é resultado da ação do demônio – e a conseqüente busca de amparo ou salvação nos templos.
Nas missas do movimento carismático, no interior do próprio catolicismo, há o chamado exorcismo devocional – momento em que se fazem orações contra as forças maléficas. Denunciar a ação do diabo é também uma parte importante do culto das igrejas evangélicas, nas quais o exorcismo é praticado de maneira ostensiva e na base do ”Xô, Capeta!” – ou seja, com os xingamentos contra o diabo e a linguagem colorida que o catolicismo também permitia usar, e que foi banida pelo novo rito. “Muita gente procura esses cultos porque atribui problemas pessoais ao diabo”. As pessoas terceirizam o “mal”, diz o teólogo Marcio Fabri.
A igreja católica considera o exorcismo uma espécie de ciência. O padre que o realiza precisa ter atributos especiais. Somente um sacerdote que se destaque pela “piedade, ciência, prudência e integridade de vida” pode realizá-lo – e com autorização expressa do bispo a quem responde. Em fevereiro, uma academia do Vaticano foi palco do primeiro curso oficial sobre exorcismo. Promovida pelos legionários de Cristo, uma agremiação ultraconservadora, a serie de conferencias foi acompanhada por mais de 100 padres e seminaristas. Nenhum sacerdote brasileiro fez o curso.
É como mínimo curioso o dualismo do Vaticano porque para fazer constar no novo manual os principais indicativos de que uma pessoa foi possuída pelo tinhoso, quer dizer, falar línguas que ela nunca jamais conheceu, teve que “olvidar” as ocorrências relatadas na Bíblia relativas ao dia de Pentecoste
Atos dos Apóstolos 2:1-4. “Chegado o dia de Pentecostes, estavam todos reunidos no mesmo lugar. De repente, veio do céu um ruído, como se soprasse um vento impetuoso, e encheu toda a casa onde estavam sentados. Apareceu-lhes então uma espécie de língua de fogo, que se repartiram e pousaram sobre cada um deles. Ficaram todos cheios do Espírito Santo e começaram a falar em outras línguas, conforme o Espírito Santo lhe concedia que falassem”.

Além disso, os cultos católicos carismáticos iniciam com orações diante do altar para preparar os fiéis para o que acreditam ser uma celebração para receber os dons do Espírito Santo, em outras palavras, orar em línguas estranhas. “Esse tipo de exaltação na fala permite,segundo eles, ficar horas louvando e exaltando a Deus. É uma linguagem que não tem tradução, não tem interpretação. A pessoa não pensa, não articula, não se trata de linguagem identificável. Essa é a oração em línguas”, explicam os responsáveis pelo Comitê Internacional da Renovação Carismática. 
Alias, diga-se de passagem, nas igrejas pentecostais - a Assembléia de Deus Betésda por exemplo, este “fenômeno” se repete de continuo.
A igreja católica - e as demais que lhe seguem os passos - permanecem afirmando que o demônio não é somente uma abstração filosófica, mas uma entidade que existe de fato e está em constante luta contra os desígnios divinos. Acredita tanto nisso que para combatê-lo, em fevereiro de 2005, promoveu no Vaticano o primeiro curso oficial sobre exorcismo. Uma situação como mínimo engraçada se considerarmos que ela já derrubou, através do próprio papa Karol Wojjtyla, outros dogmas bíblicos que até o fim do período de seu antecessor, João Paulo XXIII, por serem dogmas, eram indiscutíveis.
Em 1978, portanto no seu primeiro ano de pontificado, João Paulo II, ao redimir Galileu Galilei e Copérnico que haviam demonstrado que a terra não era o centro do universo, destruiu este dogma da cosmologia cristã, e a redimir Charles Darwin, como também fez, acabou com o dogma bíblico de Adão e Eva porque ele, com a sua teoria da evolução, foi o primeiro a afirmar que o homem descende do macaco.
Se não aboliu o batismo, agora difícil de sustentar porque seu escopo era redimir os filhos de Adão e Eva da culpa por eles cometida - o pecado original - por outro lado, ao afirmar, em novembro de 1983 na Basílica de São Pedro, que o dialogo com os mortos não deve ser interrompido porque na realidade a vida não está limitada pelos horizontes do mundo, reconheceu, utilizando meias palavras, que a vida continua depois da morte.
Enquanto isso as igrejas evangélicas neopentecostais, que ao seu modo também fincaram suas raízes na bíblia, continuam praticando o exorcismo na base do ”Xô, capeta”, atribuindo a ele, e não ao homem, a culpa de todos os males da humanidade, incluindo as doenças.
Vamos lembrar, agora, quem foi que pela primeira vez inseriu o demônio e os espíritos malignos no cenário religioso.  
Zaratustra rejeitou a fé dos seus pais que reconhecia um grande número de ahura, as divindades da luz, e dos daeya, os demônios. Afirmava que uma só daquelas divindades era verdadeira por ser o Deus único: Ahura Mazdah, o sábio senhor.
O seu Ahura Mazdah não possue imagem corpórea, é onipresente e onisciente, abstrato, eterno e, bem longe das paixões humanas, encarna um princípio facilmente identificável: o bem.
A este único Deus, porém, se opõe um antagonista com o nome de Angra Mainyu, o “espírito do mal” que através das tentações deseja tirar os homens do caminho da fé e do bem. Cada um dos dois lados possue auxiliares que são as forças do bem e do mal: espíritos bons e demônios do mal.
Aqui temos a origem dos espíritos bons, que as doutrinas cristãs chamam “Espírito Santo” e os demônios, os espíritos malignos retratados na Bíblia.
Zaratustra deve ter sido influenciado por outros, mas quem? Nenhum povo, no seu tempo, a exceção dos hebreus, aceitava ou acreditava em um Deus único para todos os homens.
Um povo, entretanto, já estava dando os primeiros passos nesta direção: os Indianos arii. Os Indianos haviam iniciado um século antes de Zaratustra a desenvolver na parte filosófica do seu “Veda”, a assim chamada Upanisad (doutrina secreta), uma nova forma de religião. Muitos entres os seus significativos pensadores, presumiam que atrás da complicada multiplicidade de deuses, existia uma força primária, uma alma universal, criadora de tudo o que era chamado brahman.
Os historiadores religiosos entendem que não deveria ter sido difícil para ele traduzir a língua sagrada dos hindus Arii, o sânscrito, que era parecido ao dialeto falado em Battria. Eles lembram que naquele tempo devia haver vários contatos entre os sacerdotes arii do Iran oriental, com os da Índia setentrional. Zaratustra poderia assim ter desenvolvido depois, e de forma radical, aquilo que os eruditos Hindus só puderam fazer germinar.
Hoje, a maioria dos estudiosos das religiões são unânimes em apontar que foi Zaratustra o primeiro profeta a anunciar a existência de satanás. O primeiro a considerar o mundo terreno como o campo aonde deveria se defrontar o bem e o mal, e, além disso, ninguém antes dele chamou os homens para fazer uma escolha livre entre estas duas forças absolutas.
Zaratustra foi o primeiro a intuir a engrenagem de todas as coisas, a tradução daquilo que os indianos arii e os iranianos entendiam e distinguiam entre o bem e o mal, subdividindo desta forma o universo em dois mundos contrapostos.
Foi ele que fixou linhas precisas em uma ordem ainda vaga. Foi ele o primeiro a afirmar a ressurreição dos mortos no dia do juízo universal, aonde o homem, diante de Deus, deve responder pelas suas boas ou más ações.
Antes de Zaratustra ninguém tinha afirmado a existência do chamado além, do paraíso para os bons e o inferno para os maus.
Só no livro dos mortos, como foi chamado o “Evangelho de Osíris”, fala-se das atitudes que permitem ao homem alcançar a vida eterna depois da morte. A vida eterna, afirma este livro, só pode ser conseguida se o defunto viveu uma vida pura e bondosa ao longo do período em que permaneceu na terra. Os espíritos julgados bons, no após morte, são levados até Osíris no céu pela vida eterna, enquanto que os outros vão de encontro à perdição.
Aquilo que o mundo acreditava que pertencesse ao patrimônio inventivo dos hebreus, não foi idealizado através de aparições nos desertos da Judéia ou às margens do rio Jordão, mas nas montanhas e nas estepes do Alfaniganistão, além das margens do Amu Darja.


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